sábado, 17 de outubro de 2015

Chuva de Setembro

Estava garoando uma água fina e fria enquanto eu, sentado no banco da praça, escutava aquele senhor falar:

“Se matar é simplesmente a saída mais egoísta que uma pessoa poderia escolher”. Observei sua cabeça calva, enquanto o mesmo apenas olhava para frente, parecendo não ter um ponto onde fixar o olhar.

“É simplesmente dizer que você é mais importante do que as pessoas a sua volta e que pode ir embora quando quiser, sem dar nenhuma satisfação”. Por que ele me dizia aquilo? Qualquer coisa poderia ser melhor do que aquela melancolia.

domingo, 2 de agosto de 2015

Meu bem

Não se sinta mal
Se eu digo que prefiro
O som da madrugada

Ela cuida das minhas feridas
Depois dos outros terem me machucado
E faz desenhos
Das minhas cicatrizes

A solidão me afaga
E limpa meus olhos inchados
Eu ganho o seu abraço sincero
Depois da dor diária

Então não fique chateada
Se te pedir um pouco de silêncio
Pois eu só quero um pouco do meu remédio
Amargo, talvez
Mas que me faz bem.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Meine Rosenrot

Sabe quando você sente dor de dente após beber água gelada?
Eu estou sentindo isso. Por todo o corpo.
Parece que o mundo é um mar de rosas com muitos espinhos.
Todos tão desnecessários...
No entanto, eu só quero saber uma coisa:

Você também vai me machucar?

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Mutações

– É uma maldição, esta é a única explicação – disse um jovem observador. Seus óculos tinham uma grossa lente e seu corpo era escondido por um jaleco branco desproporcional para a sua pequenez.

– Por favor, não caia em uma crença irracional – respondeu a doutora. Estava de costas para o novo estagiário, suas mãos enrugadas estavam escondidas dentro do seu jaleco para se proteger do frio do ar-condicionado e olhava para as criaturas sem demonstrar feições. – O que tentamos fazer aqui é o oposto.

sábado, 20 de junho de 2015

O mal da Inocência – ou A última imagem

Morda sua língua
Para não gritar
Enquanto eles repetem
E repetem e repetem
Existem pessoas
Que só precisariam de bocas
Para falar suas verdades
Elas não precisam ver nem ouvir
Elas já têm suas verdades
Querem que eu ouça
Apenas ouça
Não preciso dizer
Não preciso ver
“Apenas ouça”
Não, não, não, não, não, não, não,
Não faça nada que não queiram
Eles dizem:
“Tenha mais maldade,
Seja menos inocente”
Pois até a mentira
Fala mais verdades do que eu
Eu que só falo verdades
Mas não querem que eu diga
Querem que eu ouça
Onde está esse Deus que matou um astro?
Onde está esse Deus que afundou um navio?
Não me respondem
Porque não ouvem
Ainda falam dos demônios por aí
Sem olhar para dentro de si
Afinal, não importa quantos degraus eu suba
Me lembrarão pelo que tropecei
Será que tropecei?
Eles só dizem que sim
Sem me deixar dizer
Não
Pai, me de esse cálice,
Me deixe tomar meu veneno
Mesmo que o mundo morra sem alimento
Não tomo por ti
Nem por ninguém
Apenas tomo porque não aguento
A dor das palavras
Não gostaria
Que o objeto que mais me deu dor
Ficasse preso no pescoço das pessoas
Mas nem para isso eles ligam
Não chore, criança
Os ignorantes te crucificam
E o erro foi seu
Meu erro
Meu pecado
Meu mal
Foi pegar a maçã
Foi ser inocente
“Seja como uma serpente”
Eles disseram
Pois bem,
Serei.
Pois para um mundo
Sem audição
Não me serve a boca
Para um mundo sem visão
Não me serve a imagem
Que fique aqui então
A última palavra verdadeira
E a última imagem da solidão

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Bebe tu mesmo os teus venenos

Havia um menino,
Pobre e coitado,
Sozinho na vida.
Ele caminhava por aí
Passos leves e simples,
Caminhando pelo seu destino
Andando pela rua.

Vivia de sonhos e delírios
Idéias novas e velhas
Pensadas e repensadas,
A imaginação era seu alimento.

Um dia,
Um velho encontrou,
Cego ele era – logo descobriu
Com pena ou compaixão, disse:
“Meu senhor, meu senhor,
Toma um pouco do meu alimento
Para que possa sonhar e ter
Um mundo melhor novamente”.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Nem mortos nem vivos

Puxava o corpo pelos pulsos junto com a pá. A ideia de carregá-la nos braços poderia ser melhor, mas eu não tinha forças. A tarde se desvanecia em meio às sombras, pouco a pouco, e uma chuva fina acariciava nossos corpos.

– Eu não estou morta – dizia com seus lábios enegrecidos. Sua pele já estava branca como leite pela falta da circulação do sangue, seus olhos fundos, incrivelmente abertos, exibiam a pupila dilatada.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Pétalas

Caminhava cabisbaixa e fraca procurando comida e água, numa busca eterna enquanto vivesse. Suas pernas se moviam lentamente em meio aos destroços, quando farejou um cheiro no mínimo familiar. Moveu-se mais rapidamente em direção ao odor, até encontrar o outro.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Espiral

"All that we see or seem
Is but a dream within a dream?"
Edgar Allan Poe

Apenas com letras imaginárias posso escrever este relato, pois em que realidade ele estaria se fosse escrito à caneta? – ou sangue? – Eu o perderia como me perdi. Devido a isto, minha história não irá passar de um pensamento melancólico vagante. Vagando por onde? Eu me pergunto – não sei. Mas chega de devaneios, vamos à narrativa.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Uma abelhinha qualquer

Estava ele sentado
Numa cadeira de plástico qualquer
Em um refeitório qualquer
Era apenas arrastar a faca contra o garfo
Levá-lo a boca
Mastigar
E engolir
Arrastar e levar e mastigar e engolir
Arrastar e levar e mastigar e engolir.
Pensando em qualquer coisa
Desimportante e divagando
Apenas olhando ocasionalmente para os lados
Mas a vida é engraçada
Qual era a probabilidade?
Apenas um a viu.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A ideia

A ideia do suicídio sempre circunda a mente dos mais fracos. Talvez este seja o motivo de que, quando acontece, não sai nos noticiários. Não importa. A ideia está sempre lá, inocente, esperando ser encontrada por acaso.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Realidade

– Me disseram que você tem uma noção um pouco diferente da realidade... Estou certo? – Disse o psicanalista para o seu mais novo paciente.

– Na verdade, eu sei mais do que a “realidade”. – Respondeu o dito louco, impossibilitado de gesticular com as mãos por causa da camisa de força. Ao invés disso, olhou para a janela gradeada do que chamavam de “quarto”, porém ele preferia definir como uma prisão. – Você não consegue ver porque o Criador não te deixa enxergar através da cortina.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Há uma hora em que nos perguntamos o porquê de escrevermos. Agora eu sei: para deixar meu mundo menos insuportável.
Admito. Eu sinto prazer em escrever as dores dos meus filhos, a tortura dos meus inocentes. É tão prazeroso quanto arrancar com um facão a pele de uma onça ainda viva e agonizante.
Confesso que escrevo pela dor e para ela são dedicadas as minhas palavras. A realidade se torna menos insustentável quando posso fugir para outro lugar, um mundo onde eu possa escravizar. Apenas lá minhas cicatrizes são convertidas em flagelos alheios.
É incrível entender quem mais nos mata! Até os anjos nos ferem cinquenta e duas vezes.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Dúvida

– O que mais a gente quer? – Perguntou Francisca, a Baianinha.

Estávamos entre as pedras de uma praia qualquer. Tínhamos o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a Baia de Guanabara, o Aeroporto Internacional e pássaros sob nossos olhos.

Também tínhamos a água suja de óleo e dejetos, a sinfonia dissonante dos carros, os prédios cinza, uma plataforma petrolífera e barcos de vários tipos. 

– O que mais a gente quer? – Perguntava ela.

sábado, 18 de abril de 2015

Dádiva

Enquanto os outros caminhavam pelos ares, havia um que andava pesarosamente. Este sentia seus pés presos a terra e um enorme peso para carregar nas costas. Ao mesmo tempo em que todos voavam e brincavam e se divertiam, ele caminhava pela ilha. Ao passo que ele era irritantemente ofendido por sua inabilidade, ficava mais e mais incomodado com o seu fardo.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Um velho mendigo

Um velho mendigo quase cego estendeu-me a mão pedindo uma moeda. Poderia dizer que lhe dei tal moeda, que fui além, dei-lhe um aperto de mão. Perguntei o que aconteceu, ele me narrou sua história:

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Irracional

Preciso dormir
Ter o infinito sono dos desconsolados
Pra acordar num mundo
Onde tudo faça sentido

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Vítima

O copo de cerveja me tomou em sua mão
E me bebeu
O cigarro me teve entre seus dedos
E me fumou
O bar de esquina, com suas pernas bambas,
Fugiu de mim sem pagar as contas.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Tempos modernos

“Está é a invenção tecnológica final do homem!” foi o que muitos disseram. Inclusive Paulo. Este, na verdade, já tinha praticamente a vida perfeita: um emprego vitalício, uma das milhares de casas desenvolvidas igualmente pelo governo para a população da cidade e toda a segurança que necessitava. Poderia se sentir sozinho se vivesse no século passado, pois não tinha esposa nem filhos e apenas parentes distantes, mas não nos tempos modernos. Afinal, ele tinha todo o entretenimento possível disponível na sua Sala Interativa, seu cômodo preferido da casa. Lá teria todos os tipos de jogos, filmes e diversões virtuais.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Vida Perfeita

Um homem estava em queda livre: havia pulado de um prédio de cinqüenta andares. Só não sabia a causa. Enquanto pensava no porque de estar ali, as nuvens se afastavam e o asfalto se aproximava. Ficou desesperado, fechou os olhos e esperou que não sentisse a dor.

Não sentiu. Quanto abriu os olhos ainda estava na mesma poltrona que havia sentado há uma hora. Olhou pela janela, viu que o ônibus ainda não havia chegado. Tentou tirar mais um cochilo antes de chegar ao trabalho, mas o sono não veio. Não que estivesse totalmente descansado, pelo contrário, ele acordava muito cedo para ir trabalhar – antes mesmo que sua esposa ou filho –, chegava muito tarde e exausto, ainda tinha que dar atenção aos dois. Além disso, havia aquele maldito engarrafamento. Achava que já havia perdido mais tempo no trânsito do que na igreja.

domingo, 1 de março de 2015

Um Beijo

O nosso personagem estava andando apressadamente, não queria perder o ônibus. Estava escurecendo, uma pena não poder ver o pôr-do-sol por causa dos prédios. Também estava esfriando, por isso colocou suas mãos no bolso. Seus pensamentos viajavam entre as contas para pagar e as despesas do lar. Sua filha só nasceria daqui dois meses e já estava preocupado com o futuro que poderia dar a ela.

Tinha certa inveja da esposa, ela sempre dizia “fique calmo, Deus irá nos ajudar”. “Como ela poderia ter tanta certeza?”, ele pensava. As cicatrizes que recebeu da vida não o deixavam acreditar num protetor onipotente. “Se Deus existisse, não deixaria meu pai numa cama por oito anos”, era o que sempre lhe vinha à mente.

Foi em uma das vielas, após atravessar a praça, que despertou do mundo dos pensamentos e sentiu estar sendo seguido. Olhou para trás: dois jovens, a alguns passos de distância. “Esses pivetes! Por que não vão fazer algo ao invés de roubar de trabalhadores honestos?”. Não havia mais ninguém na rua, então apertou o passo.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Protetora

A solidão me abraçou quando ninguém mais me quis.
Consolou-me na tristeza.
Ela me ensinou os segredos ocultos do silêncio.
Mostrou-me alegria nos singelos momentos.
Fiz dos seus braços meu colo.

Então a sociedade veio.
Esbanjadora, mergulhou-me em sua petulância.
Embriaguei-me nas suas diversões vazias.
Aprendi a ver a alegria apenas nos grandes momentos que não vinham.
Fiz dos seus tentáculos minha moradia.

Porém ela se foi e fiquei só.
Só na solidão.
Mas esta era espinhosa agora.
Neguei sua amada presença, odiei-a.
Tinha, enfim, me tornado um escravo social.



terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Invalidez

Uma estante velha e empoeirada, cheia de livros velhos de páginas amareladas com uma escrita ilegível. Fazia anos que ninguém roubava-lhe algum livro, nem que fosse por minutos. Idoclides sentia-se igual sua estante, sua não, a estante que ficava no seu quarto. O qual, por acaso do destino – e de seus netos – ficava num asilo. Por alguns meses se perguntou o propósito daquele móvel no lado oposto ao da sua cama – isto depois, é claro, dos longos anos que se perguntou onde sua família estaria e porque a abandonara – mas acabou largando este e outros pensamentos. Afinal, como descobrir se a única parte móvel do seu corpo eram os fracos olhos? Não, ela preferia deixar estes pensamentos serem levados pela maré do esquecimento.