quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Pergunte-se

Olhou para os seus livros na estante e lembrou-se da primeira vez que se questionou. O dia que acordou.

Era um dia frio de junho, podia ver a chuva fina cair pela janela gradeada. A sala de aula parecia tão comum: cadeiras rabiscadas, paredes velhas, corpos vivos amontoados, um quadro cheio de questionamentos. No entanto, ele sentiu-se diferente. Olhou para o quadro e só viu perguntas vazias. Observou os outros alunos e só viu desperdício de vida. Fitou o professor sentado a mesa corrigindo cadernos e pensou. Pensou até conseguir formular a pergunta que rodeava por sua mente: O que estamos fazendo conosco?

– Me dá cola do dever? – disse o garoto que estava ao seu lado, interrompendo o seu pensamento. Mas, talvez, o ajudando a completá-lo.

– Por que devemos responder a estas perguntas? – perguntou tanto para seu colega quanto para si mesmo.

– Ué, para ganhar dois pontos, né? Ou você prefere ficar com nota vermelha? – foi a resposta que obteve. Não foi satisfatória, precisava de um sentido maior.

Achou que não conseguiria melhor resposta de seu amigo, então entregou seu caderno. Porém, continuou a pensar. Fez as contas e percebeu que estava em um lugar como aquele há mais de dez anos. Como pode ficar ali por tanto tempo sem se questionar? Como pode perder tanto tempo? Não importava, mais do que isso, ele ainda queria ter um sentido para o que fazia consigo. Foi até a mesa do professor, puxou uma cadeira ao seu lado e se sentou.

– Por que estamos fazendo isto? Digo, por que estamos na escola? – questionou ao professor. Este o olhou com curiosidade.

– Ora, um jovem da sua idade já deveria saber a causa: está aqui para se formar. Assim, poderá ter um bom emprego e ser uma pessoa bem sucedida – respondeu o professor.

Agora lembrava, aquela resposta o satisfez por muito tempo. Pensava em ser engenheiro e ganhar muito dinheiro. Mesmo assim, a resposta não parecia o suficiente para a grandeza da pergunta. Voltou a questionar:

– Só isso?

– Como “só isso”? Isso deve ser o seu objetivo na vida. Irá orgulhar os seus pais, formará uma família e não terá preocupações.

Percebeu que o seu professor não iria pensar além daquilo, este foi o seu objetivo na vida. Achou que conseguiria mais conhecimento perguntando a uma porta. Decidiu voltar à sua cadeira e procurar sozinho pela resposta.

Perdeu – ou será que ganhou? – a tarde daquele dia pensando, o dia seguinte também. Na verdade, mais dias do que pode se lembrar.

Perdeu-se pelas vielas do pensamento, escalou montanhas da lógica, correu por vales estéreis da alienação. E, enfim, entendeu: a resposta nada lhe traria de bom. O que o movia, o que movia o mundo inteiro, era a pergunta.

Desde então se propôs a fazer as pessoas se perguntarem também. Qual o sentido da vida? Por que trabalhamos? Por que morremos? Qual o sentido de tudo o que nos rodeia? Qualquer pergunta feita por pura vontade já o enchia de felicidade.

Emprego? Professor de filosofia e ciências sociais. Dinheiro? Sim, não que importe tanto. Família? Apaixonou-se por uma de suas estudantes e teve dois filhos. Perguntas a serem respondidas agora que chegou a sua velhice? Mais do que poderia escrever em um livro. Talvez por isso tenha escritos tantos sobre a origem do pensar e os motivos para perguntar ao mundo.


Retirou o olhar da estante e olhou pela janela, podia ver um sol a brilhar e um jardim florido. Então, teve seu último pensamento: isto! Isto é o verdadeiro significado de ser bem sucedido.

3 comentários:

  1. Começo...meio...fim... é o que importa ...que há uma janela pra se olhar... e perceber o sol...e as flores...

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    1. o pensamento é o renascimento de todos... liberta.

      lindíssimo texto .... escreves bem meu amigo :)

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