Estava garoando uma água fina e fria enquanto eu, sentado no
banco da praça, escutava aquele senhor falar:
“Se matar é simplesmente a saída mais egoísta que uma pessoa
poderia escolher”. Observei sua cabeça calva, enquanto o mesmo apenas olhava
para frente, parecendo não ter um ponto onde fixar o olhar.
“É simplesmente dizer que você é mais importante do que as
pessoas a sua volta e que pode ir embora quando quiser, sem dar nenhuma
satisfação”. Por que ele me dizia aquilo? Qualquer coisa poderia ser melhor do
que aquela melancolia.
Pequenos pontos luminosos poderiam aparecer no céu nublado.
Em alguns segundos, perceberíamos que se tratava de alienígenas em suas naves
retangulares. Aterrissariam, enquanto eu sacava minha pistola de plasma para
destruí-los. Primeiro, viriam dois de uma vez – verdes e gosmentos –, mas eu
acabaria com eles antes que pudessem mirar – Sim, Solo atirou primeiro. O
terceiro, maior do que os anteriores, seria rápido o suficiente para atirar,
contudo, eu desviaria e o acertaria em cheio entre os olhos. Pronto, ele cairia
de costas e eu ganharia tempo para me esconder dos outros.
Nada disso aconteceu. Adoraria, mas não houve nave alguma. Melhor
ainda seria se minha companhia começasse a se transformar. O primeiro sintoma
seria a mudança da voz, tornando-se mais grossa e aflita, depois viriam os pelos
negros aflorando pelo corpo. Logo em seguida, ele me olharia com os seus olhos
esbugalhados, me intimidando com aquele instinto assassino recém descoberto.
Suas mãos, agora com unhas grandes e afiadas, repousariam sobre meu ombro
enquanto o focinho começaria a surgir no lugar daquele nariz pontudo. Eu
sentiria o medo percorrer toda a extensão do meu corpo, iria tremer diante do
perigo e esquecer a chuva que nos abraçava. Não teria minha arma de plasma, ao
invés disso, uma pistola comum, mas com balas de prata. Sim, eu me salvaria.
Contudo, nada disso aconteceu também. Nós continuávamos lá,
a melancolia vinha com a chuva e o vento gelado, para nos abraçar e afagar.
“Eu disse que adoraria pedir para que ela não me obrigasse a
fazer aquilo. Afinal, seria doloroso demais emergir para fora de todo esse mar
de angústia...” continuou, com o mesmo olhar de peixe morto. A sua barriga era
enorme, talvez fosse fruto da velhice, talvez da cachaça. Comecei a pensar se
aquele senhor não seria uma versão minha do futuro, talvez estivesse ali para
me alertar dos maus que virão, como aquela barriga de chope.
Lembrei-me daquele dia, bem distante no espaço-tempo, em que
uma amiga me disse: “Adoraria ter uma máquina do tempo para voltar nesses
últimos três anos e viver o Ensino Médio de novo”, estávamos, eu, ela e mais
alguns amigos, sentados no chão de um corredor qualquer da nossa escola. Era
engraçado ver a felicidade dela ao dizer isso, e eu respondi: “Uma pena que
ainda vou demorar uns meses pra terminar a minha”, rimos disso e o momento se
foi. Apagou-se como fumaça.
No entanto, o que me faria construir uma máquina do tempo,
verdadeira, e voltar para aquele exato momento? Embora não quisesse ficar gordo
ou careca, ainda sim não seria motivo o suficiente.
“Mas não faria sentido se eu não fizesse isso por ela, não
é?” continuou com seu monólogo. Olhei para trás e vi a Baía de Guanabara também
ser afagada pela chuva. Estava calma e profunda. Será que ela também me
abraçaria se eu pedisse? Já estava encharcado mesmo...
Por fim, pensei que não faria sentido construir tal aparelho
para tentar me salvar, seria melhor entregar um bilhete premiado de loteria
logo e sumir dali, ao invés de me encher com palavras que não faziam sentido. O
mais provável era que aquele senhor desconhecido não passasse daquilo: um
senhor desconhecido.
“Para puxá-la comigo para fora disso tudo, de todo esse mar
de melancolia...” foram as últimas palavras que disse. Depois disso, apenas
ficou parado, olhando para o céu e esperando por algo. Talvez houvesse alguma
mensagem importante naquelas palavras. Quem sabe um dos segredos da vida?
Não me importei, apenas levantei, me encaminhei para a
rodoviária e tratei de esquecer aquilo tudo.
É enquanto se ignora o vento que bate em suas costas o corpo putrefaço definha entre moscas e solidão. Sinta-se parte da falta de entrega.
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