sábado, 17 de outubro de 2015

Chuva de Setembro

Estava garoando uma água fina e fria enquanto eu, sentado no banco da praça, escutava aquele senhor falar:

“Se matar é simplesmente a saída mais egoísta que uma pessoa poderia escolher”. Observei sua cabeça calva, enquanto o mesmo apenas olhava para frente, parecendo não ter um ponto onde fixar o olhar.

“É simplesmente dizer que você é mais importante do que as pessoas a sua volta e que pode ir embora quando quiser, sem dar nenhuma satisfação”. Por que ele me dizia aquilo? Qualquer coisa poderia ser melhor do que aquela melancolia.


Pequenos pontos luminosos poderiam aparecer no céu nublado. Em alguns segundos, perceberíamos que se tratava de alienígenas em suas naves retangulares. Aterrissariam, enquanto eu sacava minha pistola de plasma para destruí-los. Primeiro, viriam dois de uma vez – verdes e gosmentos –, mas eu acabaria com eles antes que pudessem mirar – Sim, Solo atirou primeiro. O terceiro, maior do que os anteriores, seria rápido o suficiente para atirar, contudo, eu desviaria e o acertaria em cheio entre os olhos. Pronto, ele cairia de costas e eu ganharia tempo para me esconder dos outros.

Nada disso aconteceu. Adoraria, mas não houve nave alguma. Melhor ainda seria se minha companhia começasse a se transformar. O primeiro sintoma seria a mudança da voz, tornando-se mais grossa e aflita, depois viriam os pelos negros aflorando pelo corpo. Logo em seguida, ele me olharia com os seus olhos esbugalhados, me intimidando com aquele instinto assassino recém descoberto. Suas mãos, agora com unhas grandes e afiadas, repousariam sobre meu ombro enquanto o focinho começaria a surgir no lugar daquele nariz pontudo. Eu sentiria o medo percorrer toda a extensão do meu corpo, iria tremer diante do perigo e esquecer a chuva que nos abraçava. Não teria minha arma de plasma, ao invés disso, uma pistola comum, mas com balas de prata. Sim, eu me salvaria.

Contudo, nada disso aconteceu também. Nós continuávamos lá, a melancolia vinha com a chuva e o vento gelado, para nos abraçar e afagar.

“Eu disse que adoraria pedir para que ela não me obrigasse a fazer aquilo. Afinal, seria doloroso demais emergir para fora de todo esse mar de angústia...” continuou, com o mesmo olhar de peixe morto. A sua barriga era enorme, talvez fosse fruto da velhice, talvez da cachaça. Comecei a pensar se aquele senhor não seria uma versão minha do futuro, talvez estivesse ali para me alertar dos maus que virão, como aquela barriga de chope.

Lembrei-me daquele dia, bem distante no espaço-tempo, em que uma amiga me disse: “Adoraria ter uma máquina do tempo para voltar nesses últimos três anos e viver o Ensino Médio de novo”, estávamos, eu, ela e mais alguns amigos, sentados no chão de um corredor qualquer da nossa escola. Era engraçado ver a felicidade dela ao dizer isso, e eu respondi: “Uma pena que ainda vou demorar uns meses pra terminar a minha”, rimos disso e o momento se foi. Apagou-se como fumaça.

No entanto, o que me faria construir uma máquina do tempo, verdadeira, e voltar para aquele exato momento? Embora não quisesse ficar gordo ou careca, ainda sim não seria motivo o suficiente.

“Mas não faria sentido se eu não fizesse isso por ela, não é?” continuou com seu monólogo. Olhei para trás e vi a Baía de Guanabara também ser afagada pela chuva. Estava calma e profunda. Será que ela também me abraçaria se eu pedisse? Já estava encharcado mesmo...

Por fim, pensei que não faria sentido construir tal aparelho para tentar me salvar, seria melhor entregar um bilhete premiado de loteria logo e sumir dali, ao invés de me encher com palavras que não faziam sentido. O mais provável era que aquele senhor desconhecido não passasse daquilo: um senhor desconhecido.

“Para puxá-la comigo para fora disso tudo, de todo esse mar de melancolia...” foram as últimas palavras que disse. Depois disso, apenas ficou parado, olhando para o céu e esperando por algo. Talvez houvesse alguma mensagem importante naquelas palavras. Quem sabe um dos segredos da vida?


Não me importei, apenas levantei, me encaminhei para a rodoviária e tratei de esquecer aquilo tudo.

Um comentário:

  1. É enquanto se ignora o vento que bate em suas costas o corpo putrefaço definha entre moscas e solidão. Sinta-se parte da falta de entrega.

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