terça-feira, 30 de setembro de 2014

Dissimulado

E lá estava eu sentado à mesa, vestido com um terno, naquela sala com vidraças para o público. Este, que me observava com o mais espantoso nível de sagacidade, detinha para si a pluralidade de idade, cor, sexo, opinião e moral. Aos seus olhos nenhum movimento meu passava despercebido, por isso, eu devia cumprir a minha tarefa com a mais alta habilidade e desenvoltura. Antes que me impedissem de atuar.

domingo, 28 de setembro de 2014

Jo o quê?

Lunante, é o que ele é.
Não sabe o que significa? Calma, irei explicar-lhe.
Ele diria boa noite à alguém numa bela manhã apenas para poder perguntar o sentido da vida.
Ou indagaria aos ventos "por que não se pode andar para trás enquanto observa o luar?"
Dançaria sem musica alguma, mesmo causando vergonha alheia, apenas para se divertir.
Citaria Sócrates, Platão e Aristóteles apenas para lhe convencer de que a vida é uma ilusão.
Brincaria sobre cortar os pulsos enquanto escuta Legião urbana.
Tem um pessimismo sem ponderação.
Rei do mundo lunar, um mestre da lua.
Josué, um verdadeiro lunante.
Feliz aniversário :-D

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Legião

Estava escurecendo e eu precisava de um abrigo. Parecia não haver nenhum deles ali, mas eu devia tomar cuidado. A cidade estava em ruínas, como todas as outras que eu encontrei nos últimos meses, casas desmoronadas, prédios a ponto de cair, uma poeira desértica que o vento fazia dançar e entrar nos meus pulmões. Mas não havia corpos... Sobreviventes? Perdi minhas esperanças há três meses. Contudo, precisava sobreviver, precisava de um esconderijo.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Deus não está morto

A morte é a dor dos vivos.
Mas você não sabe como ela é.
Não sabe da cor branqueada da pele, quase esverdeada.
Não sabe do maxilar que se afrouxa.
Não sabe das pupilas dilatadas e das pálpebras enrijecidas.
Não sabe do frio e da ausência de respiração.
Você não sabe nada da morte.
Não é descanso, é a imagem final da angustia e inexistência.

domingo, 7 de setembro de 2014

Criaturas da Noite

Os cortes eram muito profundos. Eu não podia salvá-la, e nós sabíamos disso.
Ainda me lembrava da primeira vez que a vira. Tinha longos cabelos negros, pele branca, olhos castanhos e sua expressão característica de desafio. Passamos longos anos trabalhando juntos, o que era improvável para o que matávamos todas as noites. Mas a noite final havia chegado, e era a dela.
Sabia que ela também estava pensando em todos nossos momentos juntos.
Eu estava ajoelhado com ela em meus braços, o beco tinha um cheiro de podridão característico das criaturas, mas já fazia tempo que não ligávamos para aquilo, na verdade, nos ajuda a localizá-los dependendo da situação.
– É uma bela noite de lua cheia, não acha? – Disse minha amada, com lágrimas brotando dos olhos.
– É sim, Andy. – Meus olhos começaram a embaçar com as lágrimas que não pude segurar.
A noite realmente estava bonita, a cidade estava silenciosa naquela hora da madrugada, era outono e estava frio, nossa época do ano e clima favoritos. Ela tentou olhar em volta, como não conseguiu, olhou nos meus olhos e disse:
– Matou-o?
– Ele... Ele fugiu. Desculpe-me.
– Tudo bem. Sei que em breve irá matá-lo.
– Não. Não posso fazer isto sem você.
– Pode e vai. Esta é a nossa vida, e agora é a única coisa que tem. Prometa que – ela parou para poder tossir e cuspir um pouco de sangue –, prometa que vai caçá-lo.
Ela estava certa, matar aquelas coisas virou a única coisa que eu sabia fazer, e eu gostava. Pensei que sem ela seria impossível continuar, mas a ideia de vingança logo aflorou em minha mente. Eu precisava continuar, eu iria até o fim.
– Eu prometo. – Inclinei-me para beijá-la nos lábios. As roupas dela, as minhas e o chão estavam sujos do seu sangue. Não demoraria muito. – Prometo que irei caçá-lo até o fim do mundo se for preciso.
Seus olhos brilhavam de encontro aos meus.
– Obrigada pela felicidade, pelo amor, pelo sentido de viver. Muito obrigada... – Mais sangue saindo pelo canto de sua boca. Já havia visto mais pessoas normais morrerem do que posso contar, mas ver aquilo era horrível.
– Eu que deveria agradecer. Se não fosse o que fez, eu estaria em seus braços agora, não ao contrário...
– Faria tudo de novo se fosse preciso. Pois, eu te amo.
– Eu também te amo, Andy... Eu também te amo...

A respiração cessou, o maxilar afrouxou, seus olhos perderam o brilho. O que estava em minhas mãos agora era só um cadáver, mas não por muito tempo. Eu deveria terminar o trabalho que eles começaram...

sábado, 6 de setembro de 2014

Óbito

O doce gosto das mentiras azedou o meu paladar.
A frieza dos seus olhos congelou os meus.
Suas unhas afiadas rasgaram meu peito.
Fingi-me de cego.
Mas seu veneno me contaminou.
Não espere de mim o que já fui.

Sou apenas você agora.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Depressão

Suas asas negras me abraçam.
Suas garras dilaceram meus ombros.
Sua boca sibila ameaças e provocações.
Meu coração se enche de seu negrume.
Minha boca cochicha desavenças.
Minhas mãos escrevem palavras melancólicas.
As sílabas são as lâminas que me mutilo.
Das trevas se cria a arte.

Era um mutualismo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Recomeço

Quanto tempo, não é mesmo? Será que ainda consigo? Vamos ver:
Papel e lápis sobre a mesa. Ele estava ali sentado há alguns minutos, mas não pensava em nada que pudesse escrever. “Talvez eu deva desistir”, pensou, “isto não é para mim”.
Olhou para a janela, pode ver um belo pôr-do-sol digno deste inverno. “Será que não tenho criatividade?”, questionou a si mesmo, “esta não deve ser a minha vocação, talvez eu seja um bom padeiro...”
Olhou para o papel, pensou nas aventuras que Jack não teve, nas travessuras nunca feitas de Leila contra sua irmã, na futura, digna e heróica morte de Teon se lançando contra o exército inimigo para salvar a única pessoa que podia dizer ser sua família. Todos os seus personagens, principais e secundários, todos deixando de existir. Todos os mundos imaginados se desmanchando sem nunca terem existido de verdade.
Era o fim para todos eles...

– Ei, espera! Eu disse padeiro? Haha, só posso estar brincando. Criar pessoas, vidas, cidades, países, mundos, universos! Esta é a minha vocação. Não vou deixá-los morrer sem antes terem a oportunidade de marcar a sua história nas páginas dos livros que irei escrever. E não vou parar de escrever até que consiga marcar a minha história nas páginas da vida.